Paisagem e Território

FAFE

«Olha, minha querida, esta boa terra de Fafe é assim: pão, pão, queijo e queijo – português de direito, hospitaleiro, franco até à grosseria e também capaz de colocar um bom clube de esgrima, a sua justiça, onde o rei não poste o seu.

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E é que a espada vai para o burro, e nada para isso contradizer o altivo Fafe. Mas é solidário, não é?

Eu mesmo, ao regressar de Basto, numa das excursões que fiz pela província, cheguei ao cume da Gandarela e avistei a ampla bacia florida de esmeraldas, sobre a qual se situa a maior parte do concelho, paisagem onde o risos leves e brincadeiras de água, tive a compreensão dessa alegria masculina e saudável, encontrando no vale extenso e nas montanhas agrestes com o aspecto da natureza, que é ao mesmo tempo uberrina e alegre, forte e expansiva. Lá você tem o homem explicado pelo meio.” [1]

Fafe é a designação simultânea de duas realidades distintas: a única freguesia urbana e sede administrativa do concelho e a do concelho.

Localiza-se no Minho geográfico. O Minho dos contrastes económicos, sociais e humanos: o Litoral, o Alto Minho e o Minho Interior.

Fafe, nesta região norte do país, pertence ao Minho do Interior; o Minho do Alto Ave e o sopé do Marão, Cabreira e Gerês, onde pequenos vales correm por inúmeras ribeiras da serra que circunda o concelho e ocupam a maior parte do seu território que a romanização denominou “Mons Longus”, onde a sua antiga designação de concelho tem sede – Montelongo.

Localiza-se a 41 0 27,6’ de latitude e 0 0 58,2’ E do meridiano de Lisboa, com um relevo de altitude média de 350 metros, atingindo os 893 metros no ponto mais alto.

Desta região, em 1527, temos uma das primeiras referências descritivas: « Este concelho de Momtelomguo tem terrenos de manutenção e caiso ? um primeiro território, que ocupou o concelho de Montelongo, e que atualmente faz parte do atual concelho de Fafe.

Os limites geográficos do atual concelho são definidos, a Norte pelos rios Ave e a Leste pelo Tâmega, que, através dos seus vales profundos, marcam os limites desta microrregião nos sentidos Leste-Oeste e Norte-Sul. , delimitando assim as terras de Barroso e Marão. A esta margem do rio Tâmega encontra-se a Serra do Viso, como limite do território de Fafe, como prolongamento natural do planalto do Monte Longo e localizada no concelho de Celorico de Basto.

Geograficamente, Fafe é já o fim dos extensos e abertos vales do Litoral Norte, que lentamente se ajustam e reduzem, aproximando-se progressivamente do sopé das serras do interior, anunciando o início dos concelhos do Minho Interior.

Os limites administrativos são definidos a norte pelos municípios da Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho; a nascente, por Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto; a Oeste, pelo concelho de Guimarães; a sul por Felgueiras.

Saindo da sede de concelho, vá aos dois primeiros, percorrendo o sinuoso vale estreito de Vizela e, a partir de Travassós, ao longo do rio Pequeno, para chegar à bacia do Ave e às terras do Barroso. Os concelhos de Basto podem ser alcançados atravessando as serras de Moreira ou Lameira.

Aos concelhos de Guimarães e Felgueiras, caminha-se para Sul e Sudoeste, parecendo mais fácil e mais próximo.

As colinas parecem abrir o caminho, agachando-se e abrindo-se para facilitar as passagens, onde tudo parece mais aberto, mas também mais cheio, mais rico e mais verde, num quadro geomorfológico local que, ao longo de milénios, se apresentou muito lento e indetectável.

Estas elevações, sem evidenciar as características da Serra, apresentam extensões nas encostas que se alongam numa diminuição progressiva da altitude orientada para Sul e Oeste, onde se situam os concelhos vizinhos de Felgueiras e Guimarães.

A Norte, acentua-se a altitude do planalto de Monte Longo, que circunda o concelho, onde nascem os rios Vizela, Ferro, Bugio e muitos outros pequenos ribeiros dos seus afluentes, que vincam a paisagem a caminho do Ave.

O rio Vizela, como linha de água mais importante, com nascente na freguesia de Pedraído, mereceu a atenção, em 1706, de Carvalho da Costa [1706], que descreveu o seu curso desde a nascente até ao rio Ave.

«O rio Vizella fica a uma légua de Guimaraens a Sul, nasce nas terras do Couto de Pedraydo, e por elas desagua no lugar de Calçoens, desagua a partir da Freguesia de S. Pedro de Queimadella desde o termo de Guimaraens, & daqui procurando o lugar de Vizella, lá leva o seu nome na Freguesia de S. Thomé de Travaços passa para a Freguesia de S. Vicente de Passos, separando-a do Concelho de Monte Longo, & nesta freguesia tem a sua pedra Bouças br

cume esculpido junto à Ermida de S. Bartolomeu, que estando à beira do rio é daquele Concelho, & correndo de Este a Sul pela Freguesia de Gulaens chega a Honra de Cepaens, de onde a quase meia légua de distância dividir o Couto do Pombeiro do mandato de Guimaraens.

No Couto de Pombeiro, o rio Avizela abre caminho para a Galé com a ponte de pedra lavrada de Pombeiro, no sopé da serra de Santa Catarina, na vertente sul. […].” [3]

Ao ser tão cuidadosamente descrita, infere-se a importância que esta linha de água teve na viragem do século XVII, não só para o Monte Longo, mas também para as terras de Guimarães e para o importante Couto Beneditino de Pombeiro.

Este rio, sendo a maior e mais importante linha de água do Concelho, está orientado no território do concelho no sentido Nordeste – Sudoeste, recebendo água de dois dos seus principais afluentes: o Ferro e o Bugio, cujos caminhos se orientam no sentido da direção Leste-Oeste.

A orientação destas linhas de água, cujas nascentes se situam no território do concelho, ou que o atravessam, acentuam as vertentes do relevo local e a forma como as populações ali se fixaram, uma vez que, nas suas vertentes, as populações que se fixaram hoje formam as paróquias e lugares habitados.

No extremo norte, quase debruçamo-nos sobre o rio Ave e sentimo-nos próximos das freguesias geograficamente mais afastadas da sede administrativa, nomeadamente Gontim, Aboim, São Miguel do Monte, Felgueiras, Várzea – Cova, Pedraído, Queimadela, Várzea – Cova.

Dos pontos mais altos a Norte, avistam-se os afloramentos graníticos ásperos e desnudos do Marão, Cabreira e Gerês, formando desníveis abruptos que enviam ventos secos para as terras de Fafe, que influenciam negativamente a capacidade vegetativa das culturas e plantas naturais nesta parte do concelho.

A vista daqueles maciços montanhosos e cinzentos do interior contrasta com a da costa, anunciada na frescura verde dos solos húmidos das encostas do planalto de Montelongo, escondidos entre os carvalhais que se estendem pelas encostas viradas a sul e a poente, protegidas dos efeitos desidratantes dos ventos. Do Norte.

A vegetação arbórea sempre terá sido reduzida, uma vez que, ainda hoje, podemos observar rebanhos de ovinos e caprinos que insistem em testemunhar formas antigas e documentadas de vida tradicional, o que ainda justifica a existência de grandes manchas sem vegetação arbórea.

Entre as manchas de carvalhais ainda existem raros exemplares de uma fauna que, noutros tempos, teria sido rica e variada, e ainda há notícias de uma fauna variada: corços, lobos, lebres, texugos, lontras, perdizes , pombas, pombos, águias, corvos, codornizes, e muitos outros animais que outrora povoaram a paisagem do concelho.

No entanto, e tendo em conta a importância que a caça tinha na dieta dos habitantes locais, destacamos a informação do século XIX, que revela farturas antigas que ainda existiriam naquela época:

«A nossa mesa estava cheia de coelhos. Ter uma ideia do montículo de terra, sabendo que um criado saía de casa com dois cães e um pau, e voltava com uma braçada de coelhos, uns, na minha opinião, alinhados pelos cães, outros derrubado pela surra.” [4]

O carvalho é a árvore que assume maior importância, quer pela madeira que sempre forneceu, quer pela possibilidade do surgimento de duas indústrias artesanais: o carvão e a casca.

Se a indústria do carvão ainda resiste como actividade dos habitantes desta parte do concelho, a indústria de conchas, em 1952, era referida como uma actividade importante.

A casca do carvalho era extraída de quatro em quatro anos, principalmente nas freguesias de Várzea Cova e Aboim, que, depois de seca, era moída. Depois de extrair o tanino da casca, foi vendido ao Porto e Guimarães onde foi utilizado na indústria de curtumes. Os resíduos de casca foram queimados em lareiras. [5]

Além disso, a morfologia desses territórios é caracterizada pela possibilidade de cobrir grandes distâncias e pela disposição dos solos úmidos, dispostos nas encostas voltadas para sul e oeste.

Por outro lado, as inúmeras nascentes de água que se orientam no sentido Norte – Sul e Leste – Oeste e a sua boa disposição solar constituem, com a natureza arenosa do solo, o espaço ideal para as populações estabelecidas com base numa atividade agro-alimentar. atividade pastoral. .

Se a natureza do solo propiciou a agricultura episódica e a pastorícia, a existência de espaços abertos em plataformas de altitude variável, atingindo os 700 metros, os primeiros habitantes desta paisagem dominaram, com alguma facilidade, um vasto território envolvente.

Até há pouco tempo, a centeio, a pastorícia e a carvoaria eram as principais actividades dos habitantes do Norte, através das quais apenas se pode imaginar um pouco do seu quotidiano anterior.

As plataformas montanhosas do Nor

O séc. a poderes mágicos, onde se misturavam “personagens sagrados”, como por exemplo em Lagoa, onde o diabo vai ser afastado. [6]

Aqui as estradas abrem-se em torcicolos entre urgências, informando-nos da natureza geográfica desta terra e do percurso sinuoso das vias de comunicação.

Caracteriza-se por um relevo de baixa altitude onde se encontram inúmeros vales de pequenas ribeiras e algumas elevações que constituem extensões naturais do planalto, orientados em suaves declives que anunciam o Atlântico.

Esta parte do concelho compreende os vales mais abertos e as elevações mais baixas.

Num olhar mais atento, observamos três fatores que influenciam o processo económico e social de todas elas, ainda com incidências diferentes: os campos ajustados às ribeiras e levadas, o monte e as vias de comunicação.

O Centro/Sul é o local com os terrenos mais férteis, onde se desenharam socalcos menos íngremes e campos mais extensos, porque a inclinação das encostas é mais suave.

A prática da construção de terraços surge como um processo de construção de campos agrícolas de maior ou menor dimensão, integrados entre si numa relação direta com a inclinação da vertente mais ou menos acentuada.

No vale encontramos os solos francamente regados por engenhosas e abundantes levadas, cujos desníveis permitiam a rega de terrenos situados a grandes distâncias, funcionando permanentemente para rega de verão ou rega de cal no inverno.

O grande número de linhas de água permitiu a construção de moinhos com várias mós, afirmando-se em alguns casos como edifícios que indicam a dimensão das propriedades e a riqueza dos proprietários.

Através da quantidade de milho e estrume produzidos numa propriedade, inferia-se o valor e a dimensão da propriedade quando colocada no mercado. Da primeira deduziu-se da dimensão da área de cultivo e, da segunda, da dimensão do montado de sobro necessário à produção daquele adubo, regra que se aplicava a todo o concelho.

Qualquer propriedade, com interesse agrícola, era composta por duas unidades produtivas: a terra arável e os “morros” de onde vinham as ervas daninhas fertilizantes.

Há, portanto, uma interligação entre a propriedade agrícola, montada e a quantidade de gado, que, no seu conjunto, constituem a imagem social do seu proprietário.

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[ 1] Vieira, José Augusto, O Minho Pitoresco, Volume 1, Lisboa, Liv. AM Pereira, 1886, p.566

[2] Freire, A. Braamcamp de Freira, «Povoação de Entre Douro e Minho no Século XVI», p.241, Arquivo Histórico Português, Lisboa, 3 (7/8), 1905

[3] Costa, António Carvalho da, Corografia Portuguesa, Volume I, Lisboa, 2ª Ed, 1868, p.102

[4] Castelo Branco, Camilo, As Memórias do Cárcere, Lisboa, 1ª Ed. Parceria AM Pereira, L.da, 1862

[5] Pereira, Maria Palmira da Silva, Fafe- Contribuição para o Estudo da Linguagem, Etnografia e Folclore do Concelho, Coimbra, Casa do Castelo, 1952, p. 125

[6] Monteiro, Miguel, “Cultos e Ocultos de Monte Longo”, Minia, 3ª série, Ano II, 1994, pp. 105-136